Nos últimos dias, ganhou força no Brasil uma proposta que visa alterar as regras de dosimetria de penas aplicadas a condenados por crimes relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023. A decisão de pautar essa proposta para votação chamou a atenção — porque toca diretamente na aplicação da justiça e na forma como crimes graves são punidos. A proposta revisa a quantidade de tempo de prisão, altera critérios de progressão de regime e propõe que condenados sem papel de mando ou financiamento possam ter redução de pena. Essa movimentação provocou debates intensos sobre impunidade, segurança jurídica e a credibilidade das instituições.
A reforma proposta pretende modificar a execução penal, redefinindo o tempo mínimo para progressão de regime mesmo quando os crimes envolveram violência ou grave ameaça, algo que atualmente restringe regimes mais brandos a penas menos graves. Nas novas regras, condenados primários poderiam cumprir apenas 16% da pena em regime fechado para transitar ao semiaberto, independentemente da gravidade do ato. Para reincidentes, o tempo exigido seria reduzido também. Isso tem como consequência potencial facilitar benefícios de liberdade antecipada ou regimes menos restritivos mesmo em casos de crimes considerados graves.
Outro ponto central da proposta é que ela não representa uma anistia ampla e irrestrita — uma bandeira anteriormente defendida por aliados dos condenados — mas sim uma reavaliação da pena aplicada. A distinção entre quem teve participação ativa, quem liderou ou financiou e quem apenas participou de forma periférica ganha maior peso na dosimetria. Isso coloca em discussão o princípio da individualização da pena: punir com base no grau de envolvimento real em vez de responsabilizar a todos igualmente. Para defensores dessa mudança, é uma questão de justiça processual e proporcionalidade.
Contudo, essa revisão de penas gera forte reação contrária de setores da sociedade, de juristas e de parte do parlamento. A crítica principal é que reduzir a pena de quem cometeu crimes contra a ordem democrática pode enfraquecer o efeito dissuasor da lei e comprometer a sensação de justiça. Há o receio de que medidas como essa incentivem novos atos antidemocráticos ao passar a mensagem de que as consequências podem ser amenizadas. Essa contestação aponta para o risco de vulnerabilizar a credibilidade do sistema às custas de convicções políticas ou acordos de conveniência.
Em meio a esse cenário, o debate sobre segurança institucional, democracia e respeito às decisões judiciais se intensifica. A proposta coloca no centro da discussão o limite entre revisão legítima de penas e retrocesso em termos de enfrentamento ao crime e à impunidade. A sociedade observa com atenção os desdobramentos dessa votação, que não se trata apenas de uma decisão técnica, mas de um posicionamento simbólico sobre como o Brasil lida com responsabilização e memória dos eventos recentes.
A tramitação acelerada dessa proposta, em um contexto de forte polarização política, também levanta dúvidas sobre o peso de pressões partidárias e articulações por interesse próprio. A forma como o texto foi pautado, o momento de aprovação e a proximidade com instantes sensíveis do calendário institucional contribuem para a percepção de que a dosimetria pode ser utilizada como instrumento de benefício político. Isso provoca desconfiança e questionamentos sobre a transparência e a ética no processo legislativo.
Por outro lado, há quem defenda que ajustes na execução penal são necessários para garantir que o sistema de justiça não seja apenas punitivo, mas também proporcional, revisando critérios que, em alguns casos, podem ter sido excessivos ou desproporcionais. A adoção de novas regras poderia abrir caminho para um entendimento mais nuançado da justiça — considerando individualidade, grau de participação e circunstâncias antes de aplicar as penas máximas. Esse ponto de vista convoca reflexão sobre equilíbrio entre punição, reabilitação e ressocialização.
Em síntese, a proposta que revisa penas de condenados por atos de 8 de janeiro impõe ao Brasil uma encruzilhada ética e institucional. Ela desafia noções de justiça, segurança e democracia, fazendo com que a sociedade reflita sobre o que se espera do sistema penal e do papel das leis em momentos de crise. A decisão final moldará não apenas o destino de réus específicos, mas o entendimento coletivo sobre crime, punição e memória — com impacto potencial por décadas.
Autor: Zunnae Ferreira
